![]() Lados vazios Os lados compostos de passado e presente, que percorro dentro das minhas memórias, se chocam com a minha realidade de lados vazios neste período. Talvez como um alvo de arco e flecha vazio, sem flechas ou sem marcas de furos deixados pelas flechas. Um alvo precisando ser trocado, para que os pontos sejam assinalados sem erros. Um novo alvo. Acompanhei o existir de um grande arqueiro, desde que ele quis ser arqueiro até se tornar um arqueiro completo, de corpo, alma e coração. Tirei muitas lições desta evolução e até hoje continuo aprendendo dentro desta filosofia. Dormir e acordar sem desmanchar o outro lado da cama, um lado vazio. Uma viagem onde o assento do carro ao seu lado também está vazio, o vazio do sofá da sala, da palma da minha mão que procura muitas vezes a outra mão que a segurava, o lado vazio da lente da câmera que não fotografa mais uma dupla, não fotografa mais um belo tiro de arco e flecha...enfim uma lista interminável de lados vazios que compõe minha nova jornada. Heráclito, um filósofo grego pré-socrático, nos adverte para o fato de que o homem não pode entrar num rio mais de uma vez, não apenas porque tal rio já não é o mesmo, mas porque ele, o homem, também mudou. Depois desta mudança, dentro do pensamento de Heráclito, continuei a andar por rios, que se avolumavam quando em bifurcações de outros rios e, certamente, eu reconheci não ser mais a mesma. O interessante é que o cenário em volta continua o mesmo, porem o rio realmente não é. Praticamente sou um sistema completo onde nada falta, mas com lados vazios. Fui assistir nas Olimpíadas as competições de arco e flecha e nestes dias senti muito este vazio, afinal era um sonho em conjunto estarmos ali vendo os melhores arqueiros do mundo. Novamente outra divisão. Sentir falta daquilo que não nos falta pois não nos pertence mais. O vazio é uma dor real, porém o que está vazio sempre queremos preencher com alguma “coisa”. "Nada se compara ao prazer de ver uma flecha percorrer o espaço e atingir exatamente o ponto desejado". Ronaldo Nacaxe Para entender, sob a minha visão o que Ronaldo Nacaxe disse nesta frase, posso resumir em uma palavra: Realização. O sinônimo desta palavra dividido em contextos como: Prática com efeito, produção ato, consumação, verificação e ação. Em economia seu sinônimo é execução, cumprimento, efetivação e transformação. Em ato de heroísmo: feito, proeza e façanha. No cinema e teatro: direção. O arco e flecha – tiro com arco, ao contrário do esporte que pratiquei por muito tempo, o basquetebol, que tem um combate vigoroso corpo a corpo e imediato. Para que eu entendesse a falta destes adjetivos neste esporte de tiro com arco – arco e flecha, demandou um bom tempo, para que eu enxergasse e permitisse sentir que em matéria de adrenalina, movimentos e vigor esta modalidade carrega tudo isto também. O momento de armar o tiro exige a calma e concentração. Este é o momento exato de exercitar o aprendizado para o caminho da realização. Mira regulada, cordas e roldanas ajustadas, esperando a flecha. O arco composto tem as cordas conectadas em roldanas (polias) e cabos. Quando a corda é levada para trás, as polias puxam os cabos, que por sua vez fazem com que os membros (lâminas) se curvem e, assim, acumulem a energia necessária no tiro, dando condições da flecha voar certeira até o alvo. Ah! Como era lindo ver este momento do arqueiro, o arco e a flecha se tornarem um. Uma força contida, fria e calculada. Um frio na barriga de quem estava assistindo e com certeza a ansiedade do arqueiro em atingir o objetivo. Um silêncio quebrado pelo som da flecha rasgando o alvo sendo contida pelo aparador. Um momento suspenso no ar. Me veio a memória uma cena de um filme onde o arqueiro lançava a flecha e esta percorria o caminho até o alvo em câmera lenta e o arqueiro acompanha com os olhos este momento posso dizer mágico, enquanto a respiração ficava presa junto a ele num momento recheado de tensão. Uma das situações marcantes no perfil do Ronaldo Arqueiro era o cuidado com o equipamento, com o tiro, com a segurança e com as pessoas. Apesar de ser um esporte individual, o coletivo dos outros steackholders eram fundamentais para comprovar a realização. Desde o aquecimento, o posicionamento na linha de tiro, o silencio acompanhando os números do cronometro e o sinal de disparar as flechas...Depois o movimento quase sincronizado daqueles arqueiros, a caminhada para o alvo, a fim de confirmarem seus resultados. Conversas vazias entre os arqueiros ao retiraram suas flechas do alvo e ao colocarem suas flechas novamente nas aljavas, voltarem em passos lentos, para linha de tiro e repetirem todo ritual até o final do certame. Eu admirava estes momento, como se fosse um ballet. Este manejo do que antes foi usado como arma para defesa e caça, sempre é descrito seu uso com muito cuidado. O Tiro com Arco é uma técnica milenar, com história de sua utilização até na pré-história. Agora um belo espetáculo esportivo. A linha de tiro estará para sempre sem este arqueiro: Ronaldo Nacaxe. O arqueiro que se entregava mais a mirar do que atirar, o arqueiro que buscava ver o imperceptível, com seu olhar a se perder no vazio do infinito, com círculos cada vez menores em direção ao centro sem fim. O arqueiro que me ensinou muito ao saber o momento certo de largar nova flecha em novo alvo. O arqueiro que mostrou não manter por muito tempo a corda esticada até que tudo esteja equilibrado, a manter o número certo de flechas dentro da aljava. Que não precisam de muitas flechas apenas o suficiente para cada competição que a vida me oferecer. Aqui reconheço amigos e família: os que recolocarei em minha aljava e deixarei espaço para novas flechas. Minha aljava está sem munição. Reconheci amigos que surgiram e amigos (flechas) que perdi fora do alvo. Tenho procurado melhor meu centro. Tenho tentando ouvir sons que me remetam ao preenchimento destes vazios deixados pela ausência deste mestre arqueiro. Já caminhei até o aparador e troquei o alvo, mas ainda não consegui voltar para linha de tiro. Me tornar parte do todo, sem procurar meios alternativos de preencher estes lados vazios. Manter as doces lembranças dos bons momentos em que, o lado da cama, do carro, do avião e da palma da mão, estavam compostos de planos, sonhos e sorrisos... Tudo isto terá que ser suficiente, para por em prática o que aprendi ao viver ao lado de um Arqueiro com Alma de Arqueiro. O melhor de todos. Um arqueiro que levantava a bandeira do amor, honestidade, lealdade, comprometimento e respeito. Um arqueiro que conseguiu o que poucos conseguem: Realização. Em memória de Ronaldo Nacaxe 30/06/1957 - 28/04/2015 Sucesso e paz! Vania Nacaxe
3 Comentários
Pierina
12/17/2016 04:32:45 pm
Minha amiga que lindo. Parabéns ele deve estar muito orgulhoso de você onde estiver.
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12/17/2016 06:25:45 pm
Querida!
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Dalva Mello
12/17/2016 06:29:23 pm
Grande escritora é voce! Ao ler os seus escritos me toca muito o coração e muita admiração sinto por você. Ronaldo foi um felizardo em tê-la como esposa e mãe dos seus filhos. Você não é a mulher maravilha, mas é maravilhosa! Parabéns, Vânia Nacaxe, você é show de bola!
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Vânia Bastos NacaxeConsultora organizacional, com foco em qualidade de vida. Administradora de Empresas, Palestrante, Moderadora de Cursos, com especialização em Marketing; Técnica de Desenvolvimento Gerencial; Técnica de Vendas; Secretariado, Gerencia Geral, Liderança, Gestão de Pessoas e Psicopedagogia. Arquivo
Outubro 2017
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